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Desabafo sertanejo

de Antônio Paulino
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Por Luiz Estevam

Meu compadre, o senhor é um homem respeitado da elite. Tem um sobrenome vistoso que faz a gente tirar o chapéu. Admiro tudo isso e lhe respeito muito. Quando o convidei para ser padrinho do meu filho, tive até medo de o senhor não aceitar. Faz vinte anos que, graças a Deus, viramos compadres.

Mas, outro dia, andando lá no povoado, fiquei matutando. Pensei comigo, eu tenho mais dinheiro que o compadre e, no entanto, não consigo ter um tiquinho do respeito que ele tem. Suei a vida inteira na honestidade, trabalhando duro, mas nunca fui reconhecido por isso. Tenho até patrimônio formado, mas aos olhos da elite continuo sendo um nada ou ninguém. 

A ponto de o compadre proibir sua filha de namorar o meu filho. Quando fiquei sabendo da surra que a menina levou, não acreditei. Achei que era fuxico do povo. Meu sangue nem esquentou porque eu estava longe e não presenciei. Difícil mesmo foi segurar o meu filho. Com paciência, consegui acalmar o coitado, ficou amuado pelos cantos.

Arrepare o rumo da conversa não, compadre. É que eu nunca simpatizei com as elites. Deve ser porque nasci no meio do povo. Povo e elite não se misturam. 

Teve uma época que ganhei muito dinheiro e até pensei que eu seria da elite. Logo vi a minha bobagem. A elite tem uma escada muito difícil de subir. Você pode ter mais dinheiro que ela, mas não é elite. Você pode saber muito mais que ela e não ser da elite. 

A razão é muito simples. A elite tem sobrenome. Gente do povo é conhecida apenas por nome ou apelido, mas sobrenome nasce de herança. De modo que, a gente do povo nunca vai ser elite, por mais dinheiro ou poder que possa alcançar.

Expliquei para o meu filho que, mesmo casando com alguém da elite, estaria sempre um degrau abaixo. E que logo iria sentir isso de perto.

O que diferencia a elite do povo é o convívio. As relações do dia a dia são muito diferentes. A convivência da elite é somente com ela mesma. Tem suas festas, comemorações, casamentos, batizados, velórios, onde a presença do povo é apenas tolerada. Elite nunca fica à vontade na presença de povo.

O povo também faz suas festinhas e reuniões, onde a presença da elite é indesejada. Gente do povo não se sente à vontade com figurão em sua casa. 

Eu sei, compadre, que estou abusando demais de sua paciência com esse meu lero-lero. Peço desculpas. Sei que o compadre é advogado, político respeitado, e eu um simples boiadeiro. Sei que o senhor é um homem de recursos, mas eu também tenho algum dinheiro. 

Agora lhe peço para continuar me ouvindo, sem resmungar. O senhor não deixou que sua filha namorasse o meu filho. Quando vim aqui, na sua casa, pedir permissão para o namoro, o compadre fingiu concordar e até abençoou, na minha frente, o flerte do casal. Mas, logo que virei as costas, fiquei sabendo da surra que o senhor aplicou na menina. Tão violenta que ela ficou dois meses sem mostrar a cara na rua.

Meu filho queria buscar a moça na marra. Não deixei. Respeitei a decisão do compadre com a sua família. Somente não consegui engolir a mentira e a vergonha que o compadre me fez.

Se quer saber, o menino nunca mais foi o mesmo. Perdeu o entusiasmo da vida. Só fala em vingança, ainda mais agora que aconteceu essa tragédia com a sua filha.

Vim lhe visitar, mas a tropa está comigo, bem aí na porta da rua. Meu filho se encostou no alpendre da casa, esperando.

A verdade é que a menina não faleceu de raquitismo, conforme vocês disseram. Morreu de desgosto. O povo diz até que bebeu veneno. 

Mas, isso não é comigo. É assunto entre o compadre e o rapaz. Prometi a ele que tudo iria se resolver. Do nosso jeito. 

Aqui me despeço do compadre, e com a sua licença:

— Pode entrar, Diolino! Vem tomar a benção do padrinho!

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